O feminismo sob escrutínio - o processo de conversão psicológica

O movimento feminista atualmente tem uma ampla margem de aceitação entre as mulheres, principalmente entre as mais jovens. Movimento feito por mulheres, para as mulheres. No entanto, a questão que se coloca é: como isso ocorre? Ou, para dizer com outras palavras: como se dá esse processo de arrebanhamento de novas adeptas? A sugestão que levanto é a de que o processo é mais ou menos similar ao que acontece na conversão de mentes e corações operadas por seitas religiosas.

Antes de tudo, cabe radiografar onde o movimento é mais forte e tem um espaço maior de atuação. Essa resposta, contudo, não é lá muito difícil, pois a explicação que nos vem à mente com facilidade é o meio acadêmico, a classe artística e a grande mídia, incluindo aí jornais, revistas, blogs, sites, redes sociais como YouTube, além do rádio e da televisão. Certamente que a ocupação de cada um desses espaços midiáticos, com as suas semelhanças e diferenças, dá-se de um modo singular. Sem contar as interações entre os mesmos, como internet e tevê, ou ainda, um repercutindo no outro, para o bem ou para o mal, como, por exemplo, as redes sociais e a impressa escrita. Mas se aprofundar por essas questões seria divagar, afastar-me do rumo já previamente traçado do texto, e frustar o leitor. Portanto, cabe apenas pontuações breves, no intuito de contextualizar melhor a explanação.

Comecemos pelas universidades. O embasamento teórico do movimento foi basicamente gestado nos meios acadêmicos, leia-se aqui: institutos de ciências humanas, letras e filosofia. Daí foi irradiando-se para outras áreas do saber, mais especificamente na dinâmica de relações entre alunos, ou professores e alunos, incluindo também, embora com menos evidência, os funcionários técnico-administrativos e até os terceirizados. O que se percebe é um tribalismo feminil no qual a mensagem principal é: "juntas somos mais fortes!". Nesse ambiente, as professoras universitárias são como que verdadeiras heroínas, exemplo concreto que propicia profunda e persistente inspiração nas alunas. Para as alunas, poder ouvi-las discusar é um grande privilégio. No campo das humanidades, não há como fugir, devido ao próprio conteúdo dos temas estudados. Já nos cursos de engenharia, filiar-se aos coletivos é um imperativo moral, em decorrência da escassez de mulheres nessa área em particular. As exceções são as jovens sem ímpeto para o engajamento político, ou as que tem na fé religiosa a âncora de salvação, dispensando assim, sem mais, outras ideologias (falarei mais a frente sobre isso).

As universidades não são outra coisa que o coração nervoso do movimento. Forma quadro de militâncias, onde futuras líderes são gestadas. A filiação teórica constitui as intelectuais orgânicas, para me valer de conceitos gramscianos. Mas forma também novas profissionais que são mandadas ao mercado de trabalho, com uma mentalidade e postura diversa das gerações anteriores. Tais profissionais são especialmente impactantes quando discorremos sobre comunicação social, jornalismo, publicidade e propaganda, entre outros correlatos, pois informa e forma a opinião dos leitores, ouvintes, telespectadores e internautas. Chegamos então na grande mídia. Nos telejornais são veiculados diariamente notícias de denúncias de abuso sexual, assédio e violência contra a mulher. Nos programas de entretenimento, onde os artistas estão posicionados, as pautas feministas são tocadas, explícita ou implicitamente, na teledramaturgia e nos programas de auditório de fim de semana, entre outros, iniciando o projeto maior de demonização da masculinidade e a sua respectiva desconstrução. Já na internet, o fenômeno se dá por meio de nichos altamente segmentados, como blogs obscuros e canais podres do YouTube, selva exótica em que se observa uma extravagância ininterrupta de ideologias, cada uma mais estapafúrdia que a outra, cada um disputando quem é mais radical que o outro. Vivemos num mundo débil em que os radicalismos ideológicas são o único antídoto capaz de abrandar e oferecer algum alívio temporário, frágil controle, contra esse quadro preocupante de morbidez.

Bom, se você, leitor, chegou até aqui, não se distraindo ou se cansando ao longo da leitura, então eu lhe parabenizo, pois depois de esboçar esse terrível pano de fundo, estou em condições de abordar com mais propriedade o tema suscitado lá no início do texto. (Aqui não há nenhum esforço em criar textos atrativos, baseados no marketing de conteúdo, com linguagem simplória e parágrafos curtinhos, indo direto ao ponto. Não procuro arregimentar fãs. Arrisco-me a escrever textos que ninguém lerá. Ou que despertarão ódio inflamado naqueles que leem).

Como já ficou claro mais acima, o prestígio social do feminismo já predispõe as mulheres a simpatizarem com a causa, principalmente as jovens, suscetíveis às modas efêmeras. O verniz de rebeldia e contestação também ajuda. Em suma, as feministas de sucesso relativo funcionam como propaganda. Uma vitrine convidativa faz toda a diferença. Além do mais, as atrizes e modelos que fazem intenso marketing em suas contas no Instagram, com milhões de seguidores (fanatizados pelo glamour, fama passageira, beleza fugaz, consumismo desenfreado, e falsa felicidade de likes, comentários, compartilhamentos e fotos fakes) vendem não apenas roupas, maquiagens e acessórios. Quando se compra uma roupa, não se está adquirindo somente o produto, mas a ideologia vem junto, como um brinde. Ideologia é um conceito polissêmico, tem vários significados. Há o conceito marxista de falsa consciência. Há, igualmente, o conceito mais geral de ideologia como mero conjunto de ideias. Trabalho com esse segundo entendimento da palavra, de cunho neutro. Continuando... Seria mais correto dizer que a roupa, contudo, é apenas o receptáculo da ideologia, o que de fato está sendo vendido. As ideologias são vendidas por meio de frases de efeito "lute como uma garota!", "girl power!", "mexeu com uma, mexeu com todas!", e por aí afora. Esse é o estágio mais elementar, e também mais delicado, pois o trabalho invisível de quebrar as resistências está sendo secretamente operado. Fala-se com todo o tipo de gente, desde a garotinha de 9 anos de idade, sem maturidade intelectual para entender certas coisas, devido, naturalmente, a pouca idade, como também mulheres mais velhas, com sérias lacunas de aprendizagem, por muitas vezes não terem a oportunidade de estudarem em boas escolas ao longo da vida. Por isso, não há que se falar em rebuscamentos filosóficos e literários. Na linha de montagem do movimento feminista, a densidade teórica se dá no princípio da etapa de fabricação.

Quando a garota compra o produto e tira foto com ele, postando em suas contas das redes sociais, ela recebe a atenção que sempre quis, e que certamente merece. Sente-se amada. É um processo poderosíssimo de sociabilidade e pertencimento a grupos de jovens, tribos altamente sectarizadas, que nutrem dia a dia ódio profundo pela sociedade mais ampla. Vende-se uma sensação facilmente entendível de que há muita coisa errada por aí, e que o mundo do jeito que se encontra precisa ser urgentemente alterado, não em nível superficial e reformador, mas em sentido profundo e revolucionário. O sentimento é identificado, potencializado à enésima potência e canalizado para o objetivo considerado justo e correto. As adolescentes do século XXI ganharam de presente algo desconhecido das gerações que as precederam. Uma tribo urbana e jovem só delas, para chamarem de sua. Se o marxismo era a rebeldia juvenil típica dos garotos, agora as bad girls e as "crianças viadas" (gíria dos lgbtqi+) entraram com tudo, chegando de voadora, metendo a porrada...

As profetizas feministas chamam a atenção das garotas para fatos corriqueiros, na intenção de despertar certo estranhamento naquilo que sempre fora banal. Parafraseando o antropólogo brasileiro Roberto Da Matta: transformar o familiar no exótico; para em seguida realizar o procedimento intelectual no sentido inverso: transformar o exótico no familiar; de tal maneira que a mágica está pronta: a reestruturação cognitiva. A partir desse estranhamento começa o questionamento sistemático, por meio das "contradições insolúveis" da realidade social, de suas instituições, valores, sensibilidades, gestos, comportamentos e todo o tipo de símbolos que circulam pela nossa sociedade. O mundo vai perdendo a cor, ficando embotado, sem brilho. Uma série de denúncias vai desvelando pouco a pouco um cenário perturbador. Como pude viver tanto tempo sem saber disso? Como fui descobrir tudo isso só agora, e não antes? Indagações inicialmente sem respostas, mas que só faram algum sentido mais a frente - caso o procedimento de conversão não "dê ruim" em algum ponto. Junto com a clareza mental em perceber outra realidade de mundo, vem um sentimento abafado de revolta, que bem conduzido pode ir longe... Mentes e corações... não se esqueça, caro leitor, mentes e corações. As profetizas sabem bem, como todo bom ideólogo, que a curiosidade adolescente quando devidamente aflorada também nos leva a caminhos jamais suspeitados. Mas o que é a adolescência senão um tempo de extremos, uma exacerbação ambulante, um flerte com o perigo?

Esse mundo feio e embaciado gera um sentimento inexprimível de angústia, que necessita ser extravasado de alguma maneira. Então as amazonas, que vaticinam uma nova era livre da opressão patriarcal, oferecem a essas jovens um novo mundo possível, um admirável mundo novo... Onde há as respostas que elas procuravam para as contradições do velho mundo, quando eram lobotomizadas. Esse mundo já existe, em potência, como uma virtualidade factível. Ele se realiza, aos pouquinhos, peça por peça, de uma enorme e complexa engrenagem, na prática cotidiana da militância. A militância é prática de salvação, obra de caridade cristã que constrói o paraíso aqui mesmo, na terra. A luta solidária é o estreitamento de laços, e o ato de profundo amor e compaixão pelas mulheres ainda não libertas da prisão mental, terrível jugo patriarcal. A construção de uma nova percepção gera como desdobramento a construção concreta de um mundo outro.

Com uma mentalidade tão destoante do senso comum, não é de se admirar que as relações são ressignificadas, com os familiares mais próximos, os amigos, o namorado, os colegas e os conhecidos. Sente-se uma sensação de que não é compreendido pelos seus. Um sentimento temporário de isolamento e melancolia, que dá lugar a descoberta de novos amigos, uma nova família - as companheiras de luta. As manas. E daí que vem o sectarismo das sociedades iniciáticas, seitas religiosas. Um grupo restrito e unido de eleitas, que luta contra as arbitrariedades, os desmandos e as violências gratuitas e irracionais de um mundo terrivelmente masculino.

A sexualidade também é redefinida. A identificação de si como classe oprimida, e do outro, o diferente, como o inimigo, o opressor culpado por todas as mazelas pelas quais elas passam, imerecidamente. Ter alguém a quem odiar, profundamente, de todo o coração, é um grande privilégio.Como diz Ana Hickmann, no site da mulher negra Geledés, expondo a sua misandria entranhada: "Eu sinto que ‘ódio aos homens’ é um honorável e viável ato político, que o oprimido tem o direito a ódio de classe contra a classe que o está oprimindo”  Sabemos contra quem lutamos. Sabemos a quem apontar o dedo caso tudo dê errado. Um ódio visceral aos homens, capaz de dessensibilizar o corpo feminino contra o prazer heterossexual, um ato de violência inimaginável ( pois PIV, "penis-in-vagina", é estupro, como todos sabemos). Novos amores; novos prazeres. O lesbianismo como uma arma política de desmonte das concepções tradicionais de família, da masculinidade e feminilidade. Um novo modo de estar no mundo.

Uma lista negra é composta, com todos os inimigos desse admirável mundo novo. Imagens a serem hostilizadas, duramente combatidas, pois são o sustentáculo do patriarcado, como, por exemplo, a Virgem Maria - como Raissa Senra Vitral, que na Marcha das Vadias, em 2013, no Rio de Janeiro, masturbou-se publicamente com imagens de santos católicos. Quem não é conosco está contra nós. Não há meio-termo, maldito sejam os indecisos, mornos, ponderados (que não passam de covardes).

Militância e vanguarda dos costumes. Termos militares que denotam estarem os coletivos feministas numa constante guerra contra o mundo, o perverso "sistema". Vidas dedicadas a luta, na construção de um suposto mundo melhor para mulheres, e também para aqueles homens que renunciam totalmente à masculinidade, compondo assim identidades sexuais fluídas e não-catalogadas.

Um radicalismo repleto de dogmatismos que beira ao supremacismo feminino, e que exige o revanchismo, ao despertar ressentimentos históricos por meio de uma nova concepção da história, recontada pelas Dogmatizadoras da nova ordem.

É uma guerra cultural que está em curso... de um lado movimentos feministas, lgbts, no campo dos costumes, e do outro, a pentecostalização do cristianismo. Movimento surgido no início do século XX, na década de 1900, entre a comunidade afro-estadunidense. O movimento cristão mais emblemático do século passado, que invade antigos reinados papais, revitalizando o sentido de ser cristão em plena sociedade moderna e pós-moderna. Que surge dos Estados Unidos da América, sendo exportado para todo o globo terrestre, em missões deliberadamente planejadas e financiadas em larga escala, espalhando mundo afora ideologias neoliberais. O movimento feminista contra movimentos ultraconservadores, neoliberais totalitários e imperialistas. E nesse sentido, talvez eu tenha me equivocado ao definir o feminismo como sectário ( é sectário aos homens), mas nervosamente proselitista, no que tange às mulheres, tão proselitista quanto os pentecostais.

Novos arranjos familiares estão por vir. Dos escombros do patriarcado, erodido desde as bases, uma nova sociedade: que pare um novíssimo ser humano. O mundo nunca mais será o mesmo.               


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